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Dostoiévski e Wilhelm Reich: o inconsciente nas expressões corporais.

  • Foto do escritor: alexandremorillas65
    alexandremorillas65
  • 28 de out.
  • 3 min de leitura

Atualizado: 19 de nov.

A análise do caráter na composição artística de Dostoiévski.



A produção literária permite ao leitor acompanhar a estilística da escrita artística que vem carregada de elementos do mundo externo, que são absorvidos tanto consciente quanto inconscientemente e, retidos na memória, fazem com que tecemos uma torrente de imagens instantâneas que se armam diante de nossos olhos, transportando-nos para as páginas num processo onírico onde nos deixamos levar de corpo e alma, reagindo a cada situação que se desvenda ao decodificarmos o texto.  A importância do estilo do escritor é crucial para a formação da imagem que fazemos do mundo.  Um fator fundamental que consagra um autor é sua capacidade de despertar na memória dos leitores o reconhecimento inconsciente das expressões humanas imaginadas que acompanham os sentimentos das personagens em uníssono, provocando todo tipo de reações que podem levá-los a amá-lo ou odiá-lo.  A capacidade de retenção na memória dos traços do caráter de uma pessoa, de certa forma está relacionada ao inatismo que permite sem aprendizado, o reconhecimento das expressões faciais e também o sentido do tom da voz empregado no momento em que alguém fala. Charles Darwin, em seu livro “A expressão das emoções no homem e nos animais”, constatou que as crianças não adquirem por experiência o reconhecimento de um sorriso, da manifestação de tristeza ou o tom de compaixão na voz, reagindo a tais reações de acordo com o que viam e ouviam. Darwin fez experiências com os próprios filhos e chegou à conclusão de que o instinto de empatia¹, ou como Chomsky coloca, o conhecimento interiorizado inato, desperta reações às expressões alheias. Fortemente influenciado pelos escritos de Darwin e de Dostoiévski, o ex discípulo de Sigmund Freud, o austríaco Wilhelm Reich, foi quem difundiu a caracterologia como um complemento à prática psicanalítica promovendo a observação junto à escuta terapêutica. Além das expressões citadas acima, Reich chamou a atenção dos psicanalistas para a postura do sujeito e como o conjunto das características expressas era atribuído à influência do núcleo familiar e esta, um produto do meio social. O meio psicanalítico resistiu aos métodos empregados pelo jovem psicanalista - um dos últimos da leva de membros da Sociedade Psicanalítica de Viena - quanto a sua posição ideológica pró-marxista e também pela mudança de foco da escuta para o “jeitão“ da pessoa, que segundo José Ângelo Gaiarsa, causou um forte incômodo, principalmente em Freud, que ordenou aos que se encarregavam de Reich na sociedade que o mantivessem o mais longe possível dele. Esse medo de que o inconsciente seja visto e ouvido pelos outros através das expressões faciais, posturas e tons da voz, também ocorreu na sociedade russa em relação às peças teatrais de Nikolai Gógol, que publicou em 1842 “À saída do teatro depois da representação de uma nova comédia”, retratando a animosidade de certos espectadores que se viram e ouviram caricaturados com sarcasmo e ironia com algumas pitadas de ridículo, sendo que uma dama entre eles chegou a dizer que “não gostaria que o autor ‘pusesse os olhos’ nela².” Por trás da  comicidade da peça, há um pano de fundo que Dostoiévski soube usar tão bem aproveitando o estilo de Gógol, revelando o lado burlesco de uma sociedade que nada tinha de risível, mas de degradante nas expressões de uma multidão que se debatia por títulos e no que havia de animalesco ao divino (este, uma exceção no escopo deste artigo), que pôde examinar na população rural russa no período do degredo na Sibéria, que também se ocultava nas pessoas mais ponderadas da alta sociedade, mas que a um bom observador dos traços do caráter, a etiqueta não podia esconder. E Dostoiévski, em cada um de seus romances, contos e resenhas, apresentou ao leitor uma gama variada do mais do mesmo que as expressões humanas oferecem ao observador, e como o inconsciente se manifesta sob as infinitas capas de justificativas que para o psicanalista observador, não passam de racionalizações provocadas pelas resistências inconscientes que Gógol descreveu sem rodeios em sua peça, e que se repetem também escancaradamente nas novelas siberianas de Dostoiévski.


  1. DARWIN, Charles. A expressão das emoções no homem e nos animais . Tradução de Leon de Souza Lobo Garcia. São Paulo: Companhia das Letras, 2009.p.304.


  1. GÓGOL, Nikolai. "À saída do teatro depois da representação de uma nova comédia", in Teatro completo, organização, tradução, prefácio e notas de Arlete Cavaliere. São Paulo: Editora 34. 2009. p. 372.

 
 
 

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