Freud e Chomsky: perspectivas aproximadas.
- alexandremorillas65

- 4 de out.
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Atualizado: 7 de out.
De um trecho de "A Interpretação dos Sonhos".
O juízo que formamos a respeito do que pode ser considerado a normalidade da mente, traz para a pesquisa psicológica um desafio incomensurável se levarmos em conta o mistério da produção da linguagem e como os conceitos, quando unidos a outros, formam os pensamentos. Mas o que define de fato os pensamentos e como os compreendemos em seu uso corrente? Wilhelm Stekel escreveu um capítulo tratando da polifonia do pensamento, com base em outros autores, de que toda a energia é proveniente da vida instintiva, incluindo também a linguagem¹. Abordando o fato de que a natureza da mente é capaz de um tipo de pensamento sem palavras, estas, substituindo sensações ligadas às imagens mentais, serviriam de pistas pertinentes como gatilhos que desviam o sentido que esses símbolos procuram expressar. Mas a palavra sozinha não basta se não levarmos em consideração aquilo que José Ângelo Gaiarsa, introdutor de Wilhelm Reich no Brasil, defendeu como fator preponderante em toda análise: o tom que a palavra carrega na voz e a expressão facial que a acompanha. Incluindo as expressões corporais como terceiro fator, o foco na afirmação de Stekel de que o processo mental antecede as transformações em palavras, deve ser refletido neste artigo apenas em termos de processamentos internos, e não no sentido daquilo que significam psicologicamente. Nesse caso, a linha de reflexão de como Noam Chomsky passou a considerar a linguagem, apresenta uma nova diretriz: a de que o uso da linguagem é voltado para a própria pessoa e que nada tem a ver com o sistema de comunicação humano, que não expressa quase nada dessa rede polifônica que corre na mente em fragmentos, numa torrente semântica disforme, sujeita a modificações intermináveis.
Para além do gerativismo chomskyano.
A concepção revista do funcionamento da linguagem após o reconhecimento de Chomsky sobre como a mente não carrega uma gramática, mas interpreta estímulos recebidos de fora e faz alguma coisa internamente com eles, dialoga com as observações de Freud sobre a formação de ilusões nos sonhos, provocadas por estímulos sensoriais. A mente automaticamente produz uma sequência que pode parecer lógica, mas que às vezes distorce as imagens ou as transforma em outras, mudando o sentido e assim ao despertar, não compreendemos o que significam. Assim, a produção de linguagem não obedece ao que podemos considerar uma sequência coerente propriamente dita, mas a uma hierarquia que de certa maneira é ordenada e imposta à sintaxe quando falamos. Os exemplos de Freud implicam a retenção na memória de certos resíduos que sofrem distorções quando algum sentido emocional está provocando uma excitação que apresenta um caráter mutável e infinito, que pode ser um ponto de concordância entre os dois pensadores acerca da produção linguística. Mas se o processamento biológico permite uma criação abundante de imagens sequenciais sem um ordenamento, qual seria o elemento que corrige a posição das palavras no desempenho linguístico no momento em que estamos falando, fazendo com que duas pessoas se entendam quando interagem, uma interferindo no sistema interno da outra? Um caminho a perseguir seria a fonte de estímulos internos investigando as regras. Segundo Freud, os estímulos orgânicos “se transformam em representações oníricas, mas este não pôde apresentar a linha tênue entre o puramente mental de um lado, e o orgânico do outro quando remete o leitor à seção sobre a teoria dos sonhos, pois já havia se decidido sobre o primeiro - de que a representação onírica fosse um produto do órgão psíquico.² Chomsky reconhece que não podemos falar absolutamente nada sobre a relação mente-cérebro pelo fato de não sabermos do que um corpo é constituído, mas apela também para a interpretação, que é o único acesso que temos para falarmos qualquer coisa a respeito, jamais tocando no mistério transformacional dos processos mentais que nada nos dizem. Quanto ao ponto de concordância citado acima, as transformações que aproximam os dois pensadores estão de certa forma relacionadas ao esquecimento. A desordem nos sonhos preserva quase nada das lembranças ordenadas da vida em vigília e isso pode estar diretamente ligado à afirmação de Chomsky de que a criança ignora o que ouve dos adultos, prestando atenção naquilo que não ouve, ou seja, seu sistema de aquisição, porque o repertório oral dos adultos não passa de inputs empobrecidos e não é suficiente para firmar a base da linguagem humana nos primeiros anos de vida. Na parametrização a criança absorve a fala ordenada dos pais ou educadores, mas faz outra coisa. Ela esquece completamente a escassez oral ouvida para produzir a linguagem e usá-la de maneira criativa e inédita, sem ter aprendido com ninguém. Logo, algo que tenha a ver com os sonhos e a aquisição da linguagem provavelmente implique um processamento que não tenha nenhuma ligação com a ordem no estado de vigília, lembrando que a criança em tenra idade encontra-se no período da amnésia infantil e mais tarde, dificilmente se lembrará do que se passou de três anos para trás. Resumindo, talvez a conversa interior e os sonhos tenham sido criações superiores que procuram nos manter na ignorância de um racionalismo quando abrimos a boca, quando acreditamos estar falando fluida e ordenadamente sendo que os tons variados de voz desviam falante e ouvinte, lançando-os no redemoinho da consciência caótica em direção a um furo que Lacan nunca pretendeu encobrir.
STEKEL, Wilhelm. Sadismo Y Masoquismo: Psicología del Odio Y La Crueldad. Tradução de Carlos F. Grieben. Buenos Aires: Imán,1954.
FREUD, Sigmund. Obras completas, volume 4: A Interpretação dos sonhos (1900). Tradução de Paulo César de Souza. São Paulo: Companhia das Letras, 2019. p.108.
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