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Dos primórdios à teoria freudiana.

  • Foto do escritor: alexandremorillas65
    alexandremorillas65
  • 13 de ago.
  • 5 min de leitura

Atualizado: 30 de set.

Freud e Charcot.


O neurologista vienense Sigmund Freud precisou passar por uma avalanche de preconceitos do corpo médico de sua época, para poder apresentar suas suspeitas acerca de problemas aparentemente orgânicos dos pacientes que observava em sua rotina médica diária. Fundou a psicanálise por volta do ano 1895, mas foi dez anos antes, em 1885, quando participou na Salpêtrière de Paris das conferências do médico Jean-Martin Charcot, que a ideia de algo que estava oculto para o indivíduo, se manifestava através de sintomas reconhecidamente físicos. Charcot fazia uso dos recursos da hipnose com o fim de sugestionar os pacientes de que estavam livres de seus problemas, os sintomas histéricos. Assim, Freud estava cada vez mais convencido de que o tecido biológico não sofria alterações, abandonando com o tempo o conceito de que os conflitos psíquicos não poderiam ser reduzidos às fibras nervosas do cérebro. Procurou determinar que tais problemas encontravam-se em uma camada mais profunda, abaixo da percepção consciente, chamando esta região escondida do próprio indivíduo de inconsciente.

 

A influência da literatura e do teatro.


A noção da existência do inconsciente é datada de tempos remotos. O dramaturgo grego Sófocles (496 a.C.) foi autor da peça Édipo Rei, uma tragédia que antes de influenciar diretamente Freud, foi referência para autores como Shakespeare e Dostoiévski. Trata-se de um clássico que está refletido em inúmeras obras, por se tratar de um símbolo das questões humanas, onde a ideia de inconsciente e do conflito edípico, aparecem como elementos primordiais. "Macbeth", "Hamlet" e "Crime e Castigo", são algumas obras que ilustram a fase edípica muito antes do surgimento da psicanálise, e que contribuíram diretamente para o seu desenvolvimento. As noções práticas da psicanálise podem ser acompanhadas nos clássicos da Literatura Universal, sendo para Freud uma grande influência artística, os textos de William Shakespeare, mas foi em Dostoiévski – apesar de ter confessado não gostar do escritor – que encontrou os elementos fundamentais que exemplificam o que teorizou. Chegou a escrever um ensaio intitulado Dostoiévski e o Parricídio, apresentando o conflito do escritor como o cerne dos núcleos centralizados e descentralizados no conjunto de suas produções literárias. "Os Irmãos Karamázov" é a obra que ilustra com maestria a horda primeva dos filhos que procuram livrar-se do pai. Também, no conto "O Homem-Areia", do escritor alemão E.T.A. Hoffmann, a alusão a Édipo referente ao medo infantil de perder os olhos remete diretamente à punição simbólica que oculta o medo da castração. Hoffmann foi uma grande influência para Dostoiévski, sendo que este, isolou o mito de Édipo sem citá-lo no par de livros "Nietotchka Niezvanova " e "O Pequeno Herói". No primeiro exemplo, temos a protagonista Ana, lutando por seu objeto de desejo, a figura paterna representada no padrasto, mas que a menina acredita ser seu próprio pai e procurando com todas as forças afastar sua rival, a mãe; no segundo, um garoto experimenta o ritual de passagem e as dores do sentimento amoroso por uma mulher casada. Em parte, através da veia artística de grandes personalidades, Sigmund Freud teceu uma teoria que mudaria completamente a forma de entender o mundo, destacando-se ao lado de célebres personalidades do universo científico como Newton, Darwin e Einstein.

 

O modelo newtoniano.


O processo de investigação das causas inconscientes de sintomas aparentemente orgânicos, respeitou o modelo científico baseado na física clássica. Tanto a visão mecanicista newtoniana como a cartesiana, inclui a natureza humana dentro dos parâmetros de uma ciência exata. Freud seguiu uma linha epistemológica rígida no que concerne diretamente em formulações hipotéticas sujeitas à revisão. O modelo de mecanismo calcado no fator quantitativo, ou seja, que lida com o conceito de quantum de afeto, energia psíquica, carga e descarga, investimento e canalização, representação mental de objeto e aparelho psíquico, aborda formulações que se originaram diretamente da física, e que facilitam a linguagem do lado de quem observa os fenômenos psicológicos. A representação instintiva é um exemplo de que o instinto em si não pode ser observado, e também a demarcação das instâncias psíquicas no cérebro ou na mente, já que não podemos sequer falar a respeito da relação objetiva mente-cérebro, da mesma maneira como os físicos não podem falar de partículas e ondas como algo palpável. Logo, os fenômenos são estudados através da objetividade científica, com critérios estabelecidos para nortear o trabalho investigativo das causas no setting terapêutico (sessão terapêutica). Vale ressaltar, que a investigação na prática, por mais que seja objetiva, não quer dizer que a conclusão revele um resultado satisfatório para fins de um diagnóstico exato. A mente humana é e continuará sendo um mistério, e está encerrada de modo único em cada analisando, cada um com uma história única registrada mentalmente. O que o método científico aborda, são as semelhanças do ponto de vista coletivo, de acordo com os aspectos sociais e culturais, para que a análise do indivíduo seja passível de interpretação. Portanto, é o olhar e a escuta terapêutica que melhor pode conduzir as questões do paciente, e o método científico, uma ferramenta como auxílio para o analista trabalhar o estudo de casos.

 

As pulsões do ponto de vista aristotélico.


O mistério da vida está relacionado a tudo aquilo que move e se encontra fora de qualquer forma de entendimento. Assim, questões filosóficas relacionadas a esse mistério, nos levam ao teologismo aristotélico, supondo o ser movente, originado de uma causa anterior e imóvel. Tudo o que é movente para Aristóteles é contingente, ou seja, poderia existir ou não existir, que o ser existente não é necessário. Aristóteles pregou que as coisas existem no mundo, mas também poderiam não existir. Mas se existe e não é necessário, teve origem em uma causa anterior ad infinitum. Questionemos a teoria do Big Bang. Sua explosão foi e continua sendo necessária, caso seja considerado que todo o ser da existência possa ser compreendido a partir desse estouro inicial? O que havia antes? A questão é mal formulada, já que não pode ser entendida sem termos a noção de que tudo está inserido no tempo e no espaço, e que não podemos conceber um sem o outro. Os defensores da teoria do Big Bang, descartando uma causa anterior, a causa não causada, acabam negando a capacidade humana em formular questões sobre uma existência anterior fora dessa concepção hipotética. Se para Aristóteles, a causa primeira é Deus, então não requer explicação, não se move. Negando sua mobilidade, também nega sua materialidade, porque se for matéria, se move. Por mais que Aristóteles não tenha sido uma influência direta para o pensamento de Freud quando formulou a causalidade das pulsões provindas do organismo separando deste os fenômenos psíquicos, não podemos fugir do questionamento aristotélico e reduzir a complexidade orgânica, sem levar em consideração que algo anterior a tenha originado. Mas fica patente, que não é a busca pela explicação da origem que interessa, mas a reflexão diante de um organismo que através das pulsões, se torna uma interminável fonte energética de fenômenos observáveis que surpreendem o observador. O conceito lacaniano dos infinitos significantes entre o ser e o significado, não deixa de ser um modo de reflexão aristotélica, que segue na contramão das hipostasias acerca do reducionismo científico de toda manifestação neurótica. Para os seguidores de Lacan, as pulsões neste sentido não implicam mais as explicações ou causas, mas uma manifestação existencial. A causa não causada é uma condição filosófica que serve de guia para o terapeuta direcionar os casos, quando respeita os limites do conhecimento. O que conhecemos é a única ferramenta regida pelo desconhecido, e sua manifestação, o objeto da observação que leva a um programa de pesquisa. Por mais que a psicanálise não seja considerada uma ciência por alguns filósofos da área científica, Karl Popper sendo um deles, ao lado de Mario Bunge, apenas pelo fato de o psicanalista não necessitar de um laboratório para trabalhar em experimentos artificiais, o que soa absurdo, já que a consciência humana não pode ser descrita matematicamente, o programa freudiano continua sólido em termos investigativos, tendo o próprio analisando como fonte para o estudo das manifestações psíquicas, da mesma maneira que a física moderna investiga e estuda as manifestações emanadas pelo Universo.

 
 
 

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