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Chomsky, Stanislávski e o uso de recursos inatos.

  • Foto do escritor: alexandremorillas65
    alexandremorillas65
  • 13 de ago.
  • 6 min de leitura

Atualizado: 25 de set.

O dialogismo entre o Sistema Stanislávski e a metáfora dos Princípios e Parâmetros de Chomsky.


Quando o biolinguista Noam Chomsky propôs um retorno a Descartes, foi por ter percebido a ilusão corrente entre os envolvidos com a cibernética, de que a máquina um dia poderia simular as capacidades cognitivas humanas. Apontou uma euforia geral no meio computacional sobre a corrida para atingir esse fim específico, dissuadindo os alunos que ocupavam vagas nas áreas computacionais e da matemática no MIT – Instituto de Tecnologia de Massachusetts – , de que tal empreendimento jamais aconteceria. Compreender algo desse porte necessitaria por parte de um programador ou matemático, o conhecimento das possíveis regras e suas complexidades inconscientes, que estão veladas para o pesquisador, e que não estão relacionadas a nenhum tipo de aprendizado, incluindo os sugeridos pelo behaviorismo. As estruturas mentais inatas estariam ligadas ao mecanismo de aquisição que armazena o mistério de seu funcionamento biológico. Estes, competem às características reais relacionadas ao desempenho, que não são objetos de estudo do linguista, por se constituírem em ruídos, elementos desprovidos de evidências no sentido de como usamos a linguagem. As observações feitas pelo cofundador da Teoria da Evolução, Alfred Russel Wallace, quando escreveu sobre as capacidades musicais, matemáticas e artísticas em sua obra “Darwinism”, abordou a questão de se fazer uso de recursos nunca antes explorados, que favorecem a manifestação por saltos de capacidades em algumas pessoas. O que a álgebra teria feito a uma mente como a de Isaac Newton quando este passou a estudá-la, não tem uma resposta considerável. Mas o que ocasionou o salto para a frente no matemático, não constitui uma norma isolada da natureza, já que todas as pessoas nascem com capacidades aquisitivas e podem fazer uso de recursos que nunca se manifestaram. O trabalho do ator Konstantin Stanislávski no teatro foi, e continua sendo um marco revolucionário no Ocidente, pelo fato de seu Sistema explorar no corpo, aquilo que Chomsky muito mais tarde começou a observar na linguagem humana. As ações físicas estão diretamente relacionadas a tais mecanismos que permitem mudanças em padrões que acreditamos serem naturais e até mesmo genéticos. Mas há uma raiz que unifica as observações de Wallace e Chomsky à prática stanislavskiana, conhecida como a filosofia iogue do bem-estar físico de Ramacharaca, a Hatha Yoga. Hatha é a junção entre “Ha” (sol), que está ligado diretamente à iluminação do corpo, e “Tha”, é a mente consciente. Através desta, o sol do corpo é acessado e refletido em sua estrutura física geral, dentro e fora, determinando a caracterização física. Essa relação HA-THA se dá inconscientemente quando conscientemente damos um comando para o corpo, e o objetivo é não procuramos saber como essas duas estruturas trabalham, já que a natureza impede que tais questionamentos de ordem racional sejam esclarecidos.

 

Aquisição inata: muito além do aprendizado.


As questões envolvendo obstáculos à solução de problemas, interferem diretamente nos mecanismos de aquisição. Quando nos referimos à aquisição, estamos apenas isolando o que entendemos como possibilidades de manifestações que permitem a expressão física, dos fenômenos conflituosos de ordem psíquica. As capacidades artísticas trabalham quando absorvem as impressões do meio, e as devolvem em expressões únicas; "teoricamente", estariam computando informações e as transformando em algo que é reconhecido pelos sentidos de terceiros - os espectadores. Mas as capacidades humanas não podem ser comparadas a sistemas computacionais, ou de aprendizado, por não serem conhecidas as estruturas, ou se há alguma, que permite o uso para uma infinidade de objetivos. O construtivismo de Piaget por exemplo, não conseguiu preencher a lacuna deixada por Wallace a respeito dos saltos para frente, que revelaram ao mundo um grande músico como exemplo. O conceito de aprendizado por associação de eventos repetitivos via assimilação, acomodação ou reforço, se nos atermos também ao behaviorismo radical, não pode ser aplicado às estruturas biológicas que permitem o uso da linguagem de modo geral contendo muito além de um repertório aplicado metodicamente. O que pode ser determinado como regras complexas desse mecanismo, não pode ser conhecido, prevalecendo assim o mistério do processo criativo. Não estamos aqui para aprender, mas usar o que a natureza nos deu como ferramenta para construirmos coisas e situações no mundo.

 

Preparação e construção: a distância estrutural mínima.


O trabalho conjunto entre Noam Chomsky e o cientista da computação e professor de Linguística Robert C. Berwick, trouxe a público o que se reconhece como o reducionismo máximo sobre o que o cérebro estaria escondendo em sua estrutura biológica. “Why Only Us?” explora a possível computação humana, e revela os limites na compreensão da estrutura da linguagem. É nessa base que o Sistema proposto por Stanislávski é compreendido, quando o processo de preparação e construção da personagem ocorre, sem que saibamos a linha fronteiriça entre as duas fases do trabalho de caracterização física e psicológica na manifestação corporal. A única coisa que podemos esperar é a via mínima, uma distância estrutural possível dessas construções que dependem do tempo de cada organismo no envolvimento com o trabalho, seja laboratorial no caso dos atores, ou no processo terapêutico proposto pelo SP&P. Por via mínima, compreendemos a observação chomskyana de uma via estrutural que o mecanismo de aquisição da linguagem configura para a manifestação oral de um processo de pensamento. O encadeamento de sons articulados que ouvimos, ou seja, as palavras ditas por alguém, que surgem através de uma criação inconsciente do mecanismo de aquisição, acabam impressas no sistema sensório-motor de uma maneira única e inédita, tornando-se assim, a menor via possível da expressão de algo pensado. No caso da caracterização física, dependemos inteiramente das ações que compreendem as mesmas impressões registradas fisicamente, e sua manifestação ocorre pela menor via possível que aquele corpo especificamente permite, e nunca sabemos quando tais impressões irão exatamente se manifestar.

 

Os princípios e parâmetros no processo de caracterização física.


O desenvolvimento humano observado por Sigmund Freud, do zero aos cinco anos, é entendido pela psicanálise como um estado inicial e final, definitivo na vida do indivíduo. A vida seria resumida do ID ao EGO com um SUPEREGO controlando as duas instâncias. Nesse período, o desenvolvimento da linguagem sob a ótica de Chomsky através dos princípios e parâmetros, ocorre com a parametrização dos princípios universais da língua. O bebê, desde cedo, absorve o idioma local, e filtra as informações externas em seu mecanismo de aquisição inato, que devolve o reconhecimento daquele idioma através das escolhas paramétricas, onde decide optar por características fonológicas em detrimento daquelas que são fixadas em outras línguas, e em pouco tempo, não apenas passa a produzir, mas também a compreender uma infinidade de frases inéditas nunca antes ditas pelos adultos. A criança ignora o que ouve no meio circundante porque, sem perceber, presta atenção em algo interno. O repertório do que é falado próximo a ela é escasso o suficiente para a infinidade de frases complexas e inéditas - nunca antes ouvidas - que a criança é capaz de produzir. A natureza, de certa maneira, gerou no indivíduo a capacidade imaginativa e o reconhecimento de expressões humanas alheias para fins de uso. Sua existência depende inteiramente da utilidade de suas capacidades cognitivas para permanecer viva e contribuindo com as condições que o mundo oferece. Para tanto, o desenvolvimento humano não termina no EGO, que seria a parte deformada do ID. Os princípios humanos nunca cessam, mas a cultura procura por meio das regras estabelecidas, nos definir de acordo com os valores locais. A pressão do meio, que acaba sendo internalizada e operando como uma consciência moral através do SUPEREGO, faz com que paralisemos grande parte de nossas aptidões obstruídas por falsas crenças propagadas; de início, na família, e logo em seguida na sociedade através da educação coercitiva, restritiva, que prepara indivíduos para se parecerem uns com outros na massa populacional. Foi o que a atriz Stella Adler percebeu, quando seus alunos “chegavam despedaçados física e emocionalmente, e o relacionamento com a vida completamente amortecido”. Assim é o indivíduo de massa, “finalizado” em suas estruturas básicas. Mas foi Stanislavski, paralelamente ao universo das escolas de psicologia vigentes, que reconheceu não existir um fim para os princípios universais que continuam durante toda a existência do organismo humano. O processo da preparação e construção da personagem se dá pelo uso contínuo das capacidades cognitivas em forma de comandos, e envolvimento com aquilo que o ser humano lida e reconhece como sendo a sua verdade. O tempo todo fazemos isso, mas grande parte, dando comandos para as forças negativas, modificando nossa estrutura física e emocional até nos tornarmos aquilo que criamos, graças àquilo em que acreditamos. Stanislavski propõe que invertamos a seta para as qualidades internas, que permitam conquistas jamais imaginadas, bastando para isso trabalhar sobre o que estamos buscando. Resumindo, a parametrização que ocorre no processo da linguagem, onde o bebê aciona apenas os sons articulados do idioma ao qual está exposto, desativando os outros princípios da língua usados em outros países, também o ator, ou qualquer pessoa que não esteja ligada ao teatro, continuam modificando estruturas psicológicas dadas como finais (EGO freudiano) através da ação física, reativando os mesmos princípios, para novas parametrizações - caracterizações. A mudança é possível , e isso Stanislavski pregou a vida inteira trabalhando o Sistema, ou melhor, a Natureza que está dentro de cada um de nós, e que nos atende, desde que não perguntemos quando e como o que buscamos se concretizará, mas apenas agindo.



 
 
 

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