Dostoiévski e Freud: a literatura no inconsciente.
- alexandremorillas65

- 13 de set.
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Atualizado: 2 de out.
Freud e o Parricídio: o duelo entre a psicanálise e a psicologia da literatura.
O estudo biográfico passa por crivos duvidosos quando se trata da transcrição das características humanas, ainda mais se o objeto do estudo apenas está disponível através de documentos escritos por diferentes autores, trechos de correspondências trocadas, opiniões formadas sobre seu caráter ou obra onde expõe características humanas que denunciam inclinações aparentemente significativas. O texto intitulado “Dostoiévski e o parricídio”, escrito por Sigmund Freud, começa com uma verdadeira “pancada” no autor russo, descrevendo-o como um perverso moralista e pecador, que se encontrava dividido entre a submissão ao czar e a Cristo. Uma observação a ser feita em relação à descrição de Freud, é que este abriu o seu “ O Mal-estar na Civilização”, afirmando sua dificuldade em lidar com sentimentos, quando seu ofício atendia apenas às observações de cunho científico. Aqui já temos um primeiro, mas pálido indício de afastamento de questões dolorosas de cunho psicológico, que o incomodavam na obra do escritor. Tais descrições “confirmam “ o que Freud revelou em carta enviada a Theodor Reik, ao afirmar não apenas reconhecer a grandiosidade, mas também admitir sua "admiração por Dostoiévski, por sua violência e grandeza", mas que apesar disso, não gostava dele*. É importante ressaltar certos aspectos do biógrafo que narra a vida do biografado, pois muito do primeiro, pode aparecer fundido nas características do protagonista. Por outro lado, este texto de Freud é um documento importante, quando se trata de um escritor que o antecedeu quanto às observações que fez do ser humano, explorando as profundezas da consciência. Dostoiévski povoou seus contos, diários e romances com pessoas em condições precárias e emergentes, passando por dramas interiores e experiências profundas de cunho religioso – sentimentos que Freud não poderia descrever, mas que acabou escorregando em seu próprio inconsciente quando cabalmente descreveu o estado de redenção de um médico em seu pequeno texto, “Uma experiência religiosa”. Não é à toa, deduzindo aqui que Freud tenha escolhido o parricídio como tema para a análise de Dostoiévski, e que “Os irmãos Karamázov” tenha sido a obra que o marcou profundamente, pois o monumental livro apresenta questões significativas na vida de Freud, seu lúcido mas escondido contato com a experiência mística, e que isso possa ter ligação com sua própria questão relacionada ao pai. A tentação de Freud em incluir Dostoiévski entre os criminosos, por este escolher assassinos, pessoas violentas, sádicas ao extremo, e até supor o abuso sexual infantil como projeção artística de suas inclinações, pode revelar que Dostoiévski tenha exposto Freud às suas próprias intenções inconscientes. Se Dostoiévski tivesse cruzado o caminho de Freud como um paciente, o papel da contratransferência deste caso teria sido um crucial marco na história da psicanálise: o confronto entre um homem atormentado pelas crises epilépticas e um homem atormentado pelas crises de desmaios. Dostoiévski não seria um paciente fácil de lidar, quanto aos apontamentos de Freud que o teriam pego de surpresa, já que apresentou sua antipatia a todo modelo mecanicista que procurou enquadrar o sujeito em uma categoria. Freud não seria um analista fácil de lidar, por ter de examinar a alma de um indivíduo que o tempo todo jogaria em suas costas o peso de ter de encarar as características de um pai autoritário, sua rivalidade para com este e também enfrentar todo um séquito de filhos (discípulos) que arrumou e que, de um lado, o lembrasse de sua identificação paterna, e de outro, da sua defesa contra a horda primeva que o poderia aniquilar. O trocadilho que o subtítulo deste texto sugere em relação ao ensaio de Freud, é a indagação sobre o fato deste escolher o tema do parricídio, e como o descreveu de forma significativa. Não podemos ignorar que a questão do sentimento de culpa de Dostoiévski após os ataques epilépticos, apresentem fundamentos no caso de sua relação complexa com a figura paterna, que aparece na velha usurária, em Fiodor Pávlovitch Karamávoz, dentre as personagens mais marcantes no referido tema, e também em Niétotchka como o seu duplo infantil, que narra os aspectos do conflito edípico. Mas o que chama atenção no ensaio de Freud, é a evidência de como o andamento da composição revela aspectos do próprio autor, que descreve o escritor russo após uma breve e escassa apresentação, com apontamentos num tom que pode ser interpretado como projeções inconscientes, e a forma como se lamenta ao leitor, quanto à exposição das atitudes ambivalentes do escritor em relação ao pai, justificando a experiência psicanalítica como chave da solução da neurose, revelam a chave que confirma tal suspeita.
*ROAZEN, Paul. Freud e seus discípulos. Tradução de Heloysa de Lima Dantas. São Paulo: Cultrix, 1978, p. 178.
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