top of page
Buscar

As mortas observações de Dostoiévski.

  • Foto do escritor: alexandremorillas65
    alexandremorillas65
  • 2 de dez.
  • 3 min de leitura

Contribuições de Dostoiévski à psicologia da literatura.


Quando Dostoiévski foi retirado da sociedade e levado à Sibéria para o cumprimento de quatro anos em regime fechado e os demais como um soldado raso, um impactante documento humano estaria por vir, resultado das terríveis experiências que teve de suportar numa comunidade formada com gente de todos os tipos e crimes dos mais variados, desde os mais inofensivos até os extremamente hediondos. Enfurnado em barracões onde dormia aglomerado entre os detentos, com a temperatura lá fora atingindo os 50 graus Celsius negativos, munido de uma Bíblia, Dostoiévski teve diante de si um laboratório de pesquisa das profundezas humanas. Um painel composto de uma variedade de caracteres à sua disposição o fez concluir que a condição humana apresenta infinitas possibilidades que a levam à salvação ou à total desintegração, registradas a níveis extremados. O exame da destrutividade humana, de um lado, e da pureza da alma, de outro, o fez rever tudo o que entendia até então sobre o ser humano e o que havia escrito a esse respeito.

Até que ponto um sujeito pacato, aparentemente inofensivo, era capaz de cometer as piores atrocidades foi um dos aspectos intrigantes de sua investigação, enquanto travava conversas ou ganhava a intimidade dos detentos. Com essa bagagem taxonômica, não apenas do que conseguia extrair dos colegas, mas também de seus históricos e de como suportavam a vida na prisão, Dostoiévski prestou um enorme serviço à criminologia e, posteriormente, aos estudos científicos do comportamento humano.

Assim, temos a psicologia forense de Wilhelm Stekel, fortemente influenciado pelo escritor russo, que traz, no estilo do "Diário de um Escritor", exemplos da vida cotidiana que envolvem atos impulsivos¹ inconscientes de caráter criminoso em estado sonambúlico — o impulso ambulatório — que faz com que pessoas perambulem aparentemente sem rumo, como no caso da personagem Pável Pavlóvitch em "O Eterno Marido", mas com a exceção de este ter usado um motivo encobridor que ocultou sua verdadeira intenção criminosa; além de outros envolvendo a psicologia do roubo, onde cita a personagem Iemelian de "Um Ladrão Honrado"; a piromania; e o vício do jogo, onde também expõe sua análise de "O Jogador".

O “Direito ao Crime”, tese raskolnikoviana, traz o par de opostos redenção–desintegração moral na alma de um indivíduo que executou, na ficção, um crime filosófico que o dividiu em dois tipos de criminosos analisados no degredo, remetendo à tese freudiana de que não somos as inocentes criaturas que acreditamos ser.

Imagino a penosa, mas também maravilhosa, confirmação que isso deve ter provocado no espírito de Dostoiévski, apesar de outro fator significativo ter ocorrido com ele no plano psicológico: a ausência de crises epilépticas, que, segundo ele próprio, eram acompanhadas de uma culpa desconhecida. A identificação com seus irmãos agrilhoados e, ao mesmo tempo, estes sendo um espelho daquilo que a pressão do meio impedia que reconhecesse conscientemente — seus conteúdos secretos — não foi suficiente para que as impressões nesse indivíduo, oriundo de uma Rússia europeia já psicologicamente ocidentalizada, fossem obstruídas e não o permitissem repensar a situação humana em outras paragens russas que a intelectualidade parecia conhecer quase nada, tocando no mais profundo canto de sua alma um despertar da fé num povo que poderia expandir a memória arcaica, parafraseando C. G. Jung, para todo o mundo através do arquétipo do Cristo.


  1. STEKEL, Wilhelm. Atos Impulsivos. Tradução de M. Matthieu. São Paulo: Mestre Jou, 1968.

 
 
 

Posts recentes

Ver tudo
Amor e ódio na obra de Dostoiévski.

A ambivalência de sentimentos antes de Freud. A conturbada vida dos apaixonados saídos das páginas de Dostoiévski contém um rico material psicológico. O estilo realista do artista é o laboratório sobr

 
 
 

Comentários


Âncora 1
bottom of page